Um estudo pioneiro revelou que os cantos de acasalamento das focas-leopardo, habitantes solitárias das águas geladas da Antártida, apresentam padrões sonoros com uma previsibilidade surpreendentemente semelhante à das rimas infantis humanas. Os resultados foram divulgados na plataforma The Conversation e o trabalho foi conduzido pelas investigadoras Lucinda Chambers e Tracey Rogers.
À medida que o céu antártico se pinta de tons rosados ao final da tarde, um macho de foca-leopardo (Hydrurga leptonyx) desperta e desliza do gelo para as águas geladas. Aí, dá início a um ritual noturno que se repete durante dois meses consecutivos: um canto subaquático ininterrupto que chega a fazer vibrar o gelo à sua volta.
Cada uma dessas canções é composta por uma sequência de trinados e sons guturais organizados de forma meticulosa. O objetivo? Atrair uma parceira. Embora estas focas sejam animais solitários, o macho precisa de fazer com que a sua voz percorra grandes distâncias no oceano gelado para ser ouvido por possíveis companheiras.
Padrões sonoros que ecoam o mundo humano
Segundo as autoras, a descoberta mais surpreendente foi o grau de previsibilidade nos padrões das canções destes mamíferos marinhos. Utilizando medições de “entropia” — um conceito estatístico que avalia o grau de ordem ou aleatoriedade de uma sequência —, verificaram que a estrutura destas músicas se aproxima muito da encontrada nas cantigas infantis humanas.
“Analisámos os cantos das focas-leopardo e descobrimos que a previsibilidade dos seus padrões é notavelmente semelhante à das rimas que cantamos às crianças”, explicam Chambers e Rogers no artigo publicado no The Conversation.
Este paralelismo não é, segundo as autoras, uma coincidência. A repetição e a organização previsível dos sons parecem ser uma estratégia evolutiva deliberada. Tal como nas canções humanas — onde a repetição facilita a memorização e transmissão —, os cantos das focas-leopardo poderão beneficiar da estrutura previsível para maximizar o alcance e o reconhecimento da mensagem vocal.
Uma sinfonia debaixo de gelo
A época de reprodução destas focas decorre entre o final de outubro e o início de janeiro. As fêmeas cantam apenas durante algumas horas nos dias em que estão férteis. Já os machos tornam-se verdadeiros solistas noturnos. Mergulham durante cerca de dois minutos para cantar, regressando à superfície apenas para respirar e descansar, num ciclo que pode durar até 13 horas por noite.
Apesar do seu porte imponente — um macho pode pesar cerca de 320 quilos —, os sons que emitem são incrivelmente agudos, lembrando por vezes o trinar de um grilo. Curiosamente, embora o tom e a duração das notas sejam bastante semelhantes entre os indivíduos da mesma população, é na organização e sequência desses sons que cada macho expressa a sua singularidade.
Dados recolhidos nos anos 1990 ganham nova vida
Grande parte dos dados utilizados nesta investigação foi recolhida por Tracey Rogers durante os anos 1990. A investigadora percorreu a Antártida em veículos todo-o-terreno até à orla marítima, onde marcou 26 focas macho com tinta enquanto dormiam, para depois regressar à noite e gravar os seus cantos subaquáticos.
Essas gravações, agora analisadas com técnicas modernas, permitiram aos cientistas estudar a entropia dos padrões sonoros e comparar a complexidade dessas canções com as vocalizações de outras espécies animais e com estruturas musicais humanas.
Biologia, música e comunicação
Esta descoberta contribui para o crescente corpo de conhecimento sobre a comunicação acústica no reino animal e levanta questões fascinantes sobre a evolução da vocalização. “É possível que a repetição e organização nos cantos das focas tenha evoluído como forma de maximizar a eficácia da mensagem numa paisagem acústica desafiante como a Antártida”, sugerem as autoras.
Além disso, este paralelismo com as rimas humanas pode ter implicações no estudo da origem da música e da linguagem, ao mostrar que certos padrões de som organizados não são exclusivos da nossa espécie.
Este estudo recorda-nos que, mesmo nos confins gelados do planeta, a natureza continua a surpreender — com melodias subaquáticas que, apesar de exóticas, nos são estranhamente familiares.













